a screenshot acima pertence ao jogo "Harry Potter e a Pedra Filosofal" pra PS1, lançado em 16 de novembro de 2001. eu tinha esse jogo quando eu era criança, e me lembro de tê-lo jogado algumas vezes, apesar de nunca ter chegado a terminar (zerar jogos era um conceito vago e abstrato para a minha mente infantil; em geral você jogava o início do jogo dezenas de vezes até cansar).
durante anos, se você me perguntasse: "vinicius você jogava esse jogo quando criança?", eu responderia "claro!", com grande confiança. mas se você em seguida me perguntasse quais partes do jogo eu mais me lembrava, eu teria muita dificuldade em te dar uma resposta exata. eu lembro que eu jogava, mas eu não lembro quase nada do jogo em si (assim como acontece com muitos outros jogos). na minha cabeça, essa falta de memória consciente era um forte indício de que eu provavelmente não jogava muito esse jogo, e que ele não devia ter sido tão marcante pra mim quanto outros jogos do PS1.
há duas semanas atrás, essa teoria foi por água abaixo. por motivos que ainda me são misteriosos, eu re-joguei esse jogo com alguns amigos via Discord, e a cada 10 minutos, alguém exclamava com grande surpresa e veemência: "minha nossa... EU LEMBRO DESSA PARTE!". frequentemente essa pessoa era eu.
enquanto eu andava por Hogwarts e controlava os 27 polígonos que compõem Harry Potter, partes do meu cérebro que estiveram adormecidas por mais de 20 anos começaram a ser ativadas. um minigame de encher caldeirão: "eu acho que eu lembro disso...". uma ampulheta gigante: "eu lembro dessa ampulheta...". o som que toca quando você pega um feijãozinho: "esse som..."
eu não sei se meus amigos sentiram a mesma coisa que eu, mas o que mais me surpreendeu foi a inconsciência das memórias. não chegam nem a ser memórias, é mais uma... familiaridade estrangeira. é como se toda a minha vida tivesse sido o sonho de uma pessoa em coma, e essa pessoa jogou harry potter quando criança.
o que eu percebo agora é que eu me lembro muito bem de Harry Potter e a Pedra Filosofal™ (2001) para PS1. o problema é que essas memórias são profundamente inconscientes - elas precedem a minha capacidade de formar memórias. eu não me lembro de detalhes desse jogo porque esse jogo é a forma como eu me lembro de detalhes.
a cereja no bolo dessa experiência toda foi o meu encontro com um bichinho no jogo chamado Puffskein (fotografado acima). esse bicho é tipo uma sementinha amarela bizarra que fica numa floresta, pulando e comendo arbustos. "meu deus do céu", eu exclamei, ao re-encontrar este velho amigo que eu já não via há 20 anos. "sementinha?", eu perguntei. ela olhou pra mim, e pulou, fazendo um efeito sonoro cujas ondas estão tatuadas no meu hipocampo. "eu me lembro de você, sementinha...", eu disse. ela pulou, comeu um arbusto, e arrotou um feijão azul. eu me lembrava do arroto.
a semente me impressionou pelo seguinte: eu gosto de desenhar, e uma das coisas que eu mais gosto de desenhar são monstrinhos. talvez você não acredite nisso, mas eu tenho quase certeza que ao longo das últimas duas décadas eu já desenhei essa exata semente DIVERSAS vezes, achando que eu estava inventando algo novo; o design dela é simplesmente uma das formas às quais eu recorro quando estou rascunhando. durante todos esses anos, eu não tinha a menor noção de que eu estava fazendo uma referência a Harry Potter e a Pedra Filosofal™ para PS1, mas é verdade.
não é porque você não se lembra de algo, que você não se lembra de algo.
esse jogo do harry potter me influenciou muito mais do que eu inicialmente acreditava. re-jogá-lo foi tipo exorcizar um espírito que eu nem sabia que me assombrava.
é nisso que eu penso quando perco a motivação de passar 3 horas jogando um CD-ROM feito para crianças entre 4 e 5 anos de idade. eu me imagino, seriamente, como um ghostbusters