./junho 2024

esse mês eu não vou postar os updates no formato usual de lista, porque eu tenho bem claro na minha cabeça o que eu quero escrever aqui.

junho foi um mês de preparação, e de fugas dessa mesma preparação.

pra quem não sabe, eu estou fazendo um doutorado em inteligência artificial, e no dia 3 de julho (ontem), aconteceu a qualificação do meu doutorado. a qualificação é uma etapa do doutorado que pode ser entendida como uma "pré-defesa": se na defesa você apresenta pra banca o que você fez, na qualificação você apresenta pra banca o que você pretende fazer, e eles aprovam ou não o seu planejamento, normalmente tecendo vários comentários sobre o que eles acham que a pesquisa deve incluir. é uma apresentação de proposta, basicamente.

a minha qualificação, contudo, foi uma coisa completamente diferente -- eu apresentei praticamente a mesma coisa que eu vou apresentar na defesa da tese, por uma série de razões que não vale a pena entrar em detalhes aqui. de modo geral, basta dizer que deu tudo muito certo, e que a expectativa é que eu consiga defender a tese em 3 ou 4 meses. yipee!!!

estou começando o texto com isso por duas razões: primeiro, porque aconteceu ontem e nesse exato momento ainda estou gozando dos júbilos e do alívio que o fim dessa etapa me trouxe; e segundo, porque a sombra da minha qualificação no início de julho acabou colorindo todas as quatro semanas do mês de junho, e esse é um texto sobre o que eu fiz em junho.

o que eu fiz em junho, então?

bom, eu não sei como vocês fazem quando enfrentam uma avaliação como essa, com data marcada e tal (outros exemplos seriam... provas? concursos públicos?), mas a minha estratégia normalmente é: botar todas as outras coisas em standby. isso significa que desde o agendamento da minha qualificação até a data da qualificação em si, todos os meus projetos pessoais ficaram parados -- vinicius, você não pode se divertir até isso tudo passar!! o seu tempo livre deve ser usado para "reler papers" e "montar slides", e não "criar um site com todos os nomes do brasil mapeados pelo IBGE" ou "traduzir um jogo japonês da década de 90 que muitos acreditam ser intraduzível". pode parecer uma estratégia meio rígida demais, quiçá até meio infantilizante, mas a verdade é que eu realmente tenho uma facilidade incrível em ser absorvido completamente por coisas novas, e se eu não tomar cuidado, elas podem acabar tomando as rédeas da minha vida num momento em que eu preciso me focar em algo mais chato, claro, mas também mais prioritário.

e foi assim que eu acabei entrando em dois rabbit holes diferentes.


no começo, nem percebi o que estava acontecendo. minha linha de raciocínio foi: beleza, não posso começar a jogar nenhum jogo grande que vá me absorver muito, não posso ler nenhum livro que colonize minha cabeça, não posso mexer nos meus projetos pessoais porque vou ficar sem vontade de fazer outra coisa... o que me resta? bom, além de assistir coisas com a silvia ou ver ela jogando mass effect (coisas que não oferecem nenhum perigo real à dominação completa do meu tempo livre), o que eu posso fazer é... sei lá, ler algumas coisas na internet. ler um artigo ou outro que aparece no twitter, sabe? ler notícias do hackernews... ler uns livros de RPG de mesa que eu tinha salvo aqui... opa, esse livro menciona outros dois livros -- me pergunto onde eu consigo baixá-los? caramba, esse repositório tem vários livros! quais são, afinal, os sistemas que o pessoal mais recomendaria pra alguém que, como eu, não joga RPGs há anos? uau, aparentemente existem várias escolas de RPG de mesa diferen--MEU DEUS DO CÉU DE ONDE VIERAM TANTOS PDFS

eu não sei como isso aconteceu, mas em junho eu devorei dezenas de sistemas de RPG de mesa, li pilhas de módulos de aventura diferentes, me familiarizei com uma multidão de blogs de designers indie diferentes, descobri as maneiras ótimas de adquirir PDFs de maneira completamente legal, e contaminei a longo prazo meu sistema de recomendações do youtube com vídeos de RPG -- tudo isso sem rolar um único dado.

uh-oh! e dessa missa você não sabe nem a metade!!

em paralelo a isso, eu estava tentando me preparar pra minha qualificação. parte desse processo de preparação, na minha cabeça, envolvia reler alguns artigos que publiquei, pra me re-familiarizar com o que escrevi e não ser pego de calças curtas pelos membros da banca. mas todo mundo sabe que ficar lendo textos técnicos no computador cansa, né? então me deu vontade de imprimir esses papers, pra facilitar o ato de ler ou anotar em cima deles e tal (já viu onde isso vai chegar?); o problema é que eu não tenho impressora em casa, e as xerox aqui perto cobram valores absurdos -- R$ 1,50 por cada página P&B, além de ser um roubo, torna totalmente inviável a minha ideia de ir numa dessas lojas pra imprimir as 50 ou 100 folhas que eu queria. aí eu pensei: "por que eu não compro uma impressora?" e a minha resposta foi: "haha vinicius, você não vai comprar uma impressora, pelo amor de deus, só lê o paper no computador e pronto! não vê que isso é só mais um obstáculo artificial que você inventou pra evitar re-ler os seus papers, perceber erros que você não tinha notado, e começar a duvidar da sua própria competência e capacidade? além de ser puro consumismo -- você não vai nem usar essa impressora!". e aí eu pensei "mas se eu mestrar RPG eu vou precisar ter os livros em mãos, certo? ou você quer que eu mestre com um notebook do lado, igual um covarde?", e a minha consciência respondeu "você só pegou a minha última frase e ignorou todo o resto, acha bonito isso?" e então eu perguntei pra silvia se ela queria uma impressora e ela disse que adoraria então eu pesquisei durante 2 dias inteiros sobre qual a melhor impressora comprar e terminei comprando a mais barata que tinha -- uma epson L1250 jato de tinta.

e aí eu imprimi os meus papers, e é claro, comecei a imprimir alguns materiais de RPG. "você começou a imprimir livros inteiros de RPG??" claro que não! você acha que eu sou maluco? tem muitos materiais fascinantes de RPG que possuem poucas páginas e vem num formato "zine", no qual você pega as páginas e grampeia elas no centro pra juntá-las; a prática é tão comum que normalmente esses sistemas vem com dois PDFs: um no formato "singles" (páginas únicas) e outro no formato "spreads" (páginas duplas), pra facilitar a vida do pessoal que imprime duas por página e monta uma zine tamanho A5. pra experimentar como fazia, imprimi umas versões do jogo "cairn", e durante o processo aprendi bastante sobre como usar o adobe acrobat reader na minha impressora pra imprimir coisas nesse formato, porque é muito menos intuitivo do que você imaginaria

no entanto, surgiu um obstáculo aparentemente intransponível: o único grampeador que tínhamos aqui em casa era um mini-grampeador rosa da silvia, que infelizmente não dava conta do trabalho direito -- todos os grampos ficavam feiosamente tortos, o que cagava as zines inteiras. incomodado, comprei um grampeador pela amazon, e me conformei a esperar alguns dias -- no meio-tempo, contudo, talvez existam outras alternativas? procurei no youtube como o pessoal faz zines ("printing zines tutorial google pesquisar") e vi que tinha gente que fazia a encadernação usando agulha e linha. fascinante!! a silvia tem agulha e linha, ela certamente pode me ajudar! resultado: ficou uma bosta, mas o estrago já estava feito, porque o youtube tinha entendido "qual era a minha" e me mostrou esse vídeo, sobre como juntar páginas soltas:

palavras não podem expressar o quanto meu cérebro explodiu vendo esse vídeo. você, nobre senhora, está me dizendo que é possível pegar folhas soltas.. simplesmente colar elas de um jeito estupidamente fácil.. e fazer um resultado que fica assustadoramente próximo de um livro de verdade?? olha essa merda desse vídeo, ficou PERFEITO!! me senti como a audiência do homem das cavernas que descobriu o fogo pela primeira vez: "então você pega essa varetinha... esfrega esfrega esfrega... e vualá!!" "pera aí, É O QUÊ?? eu tô comendo carne crua esse tempo todo DE SACANAGEM????".

corre pro quarto.

"silvia você sabe o que é cola PVA?"

"sei"

"vc tem cola PVA aí?"

"tenho"

"me ajuda aqui com um negócio"

e aí eu fiz uma capinha e colei os meus papers. e eu colei anotações que eu fiz na faculdade. e eu comecei a colar a porra toda e me embriaguei com o novo poder que me foi concedido -- o poder de pegar qualquer punhado de papéis bosta e transformá-lo em algo com um tom régio, nobre, oficial de alguma forma; foi uma verdadeira festival de colapalooza que durou alguns dias.

apesar do entusiasmo, claramente haviam pontos de melhora. no vídeo a Sacerdotisa usava um pedaço de papel simples pra tapar a lombada do miolo (vê como estou sendo Iniciado no Mistério?), mas claramente devia ter uma forma melhor de fazer isso, porque os resultados não eram Bons, eles eram Imperfeitos e Impuros. aí eu fui nas Lojas Caçula(TM) e comprei 1 metro de tecido de linho, porque na Internet diziam que era Bom, mas o linho absorveu muita cola e ficou uma Bosta. aí eu comecei então a ver outras formas de colar uma capa + lombada, e descobri o canal do Sacerdote DAS Bookbinding, e comecei a imprimir em folhas A5, e decidi que meu objetivo seria... alcançar o Paperback Perfeito.

eu precisava de uma cobaia: um livro que fosse pequeno (pra eu não gastar tanta tinta e folha caso com um experimento fracassado), mas que também fosse interessante (pra eu não gastar tanta tinta e folha com um livro que não tenho o menor interesse). por sorte, no início do ano eu li vários livros que se encaixavam perfeitamente: The Singing Hills Cycle, uma série da autora de fantasia Nghi Vo. o encaixe seria ainda mais perfeito por ser uma série de livros: conforme os livros vão avançando no tempo, meu domínio sobre as técnicas também avançaria, de modo que haveria uma correlação entre os dois (eu adoro quando as coisas se encaixam!! até parece que a vida tem foreshadowing!). são cinco livros, e os resultados foram os seguintes:

talvez não dê pra ver direito todos os detalhes, mas acho que dá pra perceber que teve uma melhora considerável, e que cada iteração foi diferente (de alguma forma) à iteração anterior. infelizmente, a série acabou e eu ainda não tinha atingido o Paperback Perfeito, então acabei passando pra uma outra série de livros que se encaixa nos mesmos requisitos: The Murderbot Diaries, de Martha Wells:

as diferenças são mais sutis, mas fiquei experimentando principalmente com um jeito de deixar a lombada satisfatória, e um jeito de manter a capa alinhada com o miolo do livro. o resultado do segundo livro ficou bastante satisfatório, o único problema que restava era as margens -- por conta da forma como estou fazendo a capa (que também é uma A4), aumentar o número de páginas no livro significa aumentar a lombada, que significa cortar mais da margem, que significa que o texto fica decentralizado e livros grossos ficam ainda mais decentralizados. ainda não resolvi esse problema, mas isso me levou a experimentar com livros mais grossos (ou seja, dei uma pausa na série da Murderbot), o que me levou a... isso:

essa iteração possui falhas? possui falhas. ela é perfeita? de forma alguma. mas com todo o respeito e modéstia, ficou foda.

a silvia está de prova: eu estou tão orgulhoso dessa merda desse livro que eu fico levando ele pra tudo quanto é lugar, e as vezes eu simplesmente paro e fico tocando ele, cheirando, sentindo suas páginas com a minha pele -- eu nem comentei isso, mas vocês viram que as páginas são AMARELINHAS??? eu descobri que a chamex vende uma resma da cor "marfim" que evoca precisamente a cor de "página de livro" que a gente está acostumado (e é praticamente o mesmo preço da resma branca). esse papel marfim não tem a textura gostosa daquele papel pólen que alguns livros tem, mas ainda assim a similaridade na cor já é suficiente pra mudar completamente a experiência da leitura, e passar esse ar mais profissional.

eu fiz esse livro na segunda-feira. hoje é quinta. o que o futuro me aguarda? não faço a menor ideia, mas estou animado!

moral da hístória: se você tapar o nariz, vai acabar respirando pela boca (ou morrendo no processo)