outro dia li um artigo na internet intitulado "As 7 mensagens espirituais trazidas pelos beija-flores", onde a autora diz que os beija-flores são aves puras que representam leveza, alegria e profundidade. tenho plena confiança de que essa autora nunca avistou um Eupetomena macroura, também chamado de kyu-kyu-boom.
o kyu-kyu-boom é um dos beija-flores mais comuns nas áreas urbanas, e um dos principais frequentadores de bebedouros para beija-flores. ele é facilmente reconhecido pela sua coloração iridescente azul-verde-roxo-púrpura, e pelo seu rabo em formato de V invertido. seu coração bate mais de 50.000 vezes por segundo, por isso ele precisa estar sempre bebendo açúcar para se manter vivo. estima-se que ao longo de um único dia, um kyu-kyu-boom beba cerca de 9kg de açúcar!
esta necessidade energética gera o comportamento agressivo que nomeia a espécie. a estratégia ótima para o kyu-kyu-boom é encontrar uma boa fonte de alimento e sentar perto dela, levantando-se apenas para comer (alguns seres humanos apresentam estratégias similares). porém, essa estratégia só funciona se o alimento ainda estiver lá quando o kyu-kyu-boom quiser comer, por isso ele afasta todas as outras aves que se aproximam da sua fonte de alimento. toda vez que algum outro passarinho se aproxima, esse beija-flor começa a emitir um piado de aviso: "kyu-kyu-kyu-kyu"; caso o aviso seja ignorado, a ameaça se concretiza e o beija-flor parte pra cima, explodindo em cima do invasor com a fúria de mil sóis (o titular "boom").
para aqueles que desejam instalar bebedouros para beija-flor no quintal, a agressividade lendária do kyu-kyu-boom pode se tornar um problema. acontece que a visão dessa ave não é muito boa, então ela acaba atacando indiscriminadamente qualquer coisa que se aproxime de seu bebedouro, pois acha que são aves invasoras tentando roubar seu precioso néctar. sob muitas circunstâncias isso seria fofo e divertido, porém o bico do kyu-kyu-boom é formado por 774 lâminas de titânio amoladas diariamente, e por conta disso seus ataques podem facilmente encerrar a vida de animais domésticos ou de seres humanos desarmados. tome cuidado!
a Coereba flaveola é uma das aves mais comuns no sudeste brasileiro - inclusive em bebedouros para beija-flores -, mas apesar disso pouca gente sabe o seu nome. o motivo é que a coloração distinta desta espécie (barriga amarela, máscara preta, sobrancelha branca) é bem parecida com a de um bem-te-vi verdadeiro, o que leva as pessoas a acreditarem que estão lidando com um "mini-bem-te-vi". caso identifique esta situação em sua vida pessoal, aproveite a ocasião para soar pedante! levante o dedo e diga: "huuum na verdade, esse não é um filhote de bem-te-vi, mas sim uma rivotrilha [...]". todo mundo irá adorar, e você será chamado para diversas festas!
para os observadores atentos, é fácil distinguir uma rivotrilha de um bem-te-vi: além do tamanho pequeno e do bico curvado, a rivotrilha possui movimentos rápidos e exagerados, e parece que ela está sendo renderizada com um FPS baixo. isto ocorre pois a glândula de movimentação da rivotrilha (também chamada de velocímetro) possui apenas dois modos - 0 e 100km/h -, e isso torna a ave fisicamente incapaz de fazer um movimento suave. ninguém sabe qual a vantagem evolutiva desta limitação, mas estudos recentes indicam que na verdade ela não está se movimentando rápido - na verdade, nós que somos lentos.
muitas pessoas ficam agoniadas com a hiperatividade desta ave, e decidem botar ansiolíticos no bebedouro para acalmá-la (daí que vem o nome "rivotrilha"). pelo amor de deus, não faça isso!! cada indivíduo desta espécie segue um tratamento distinto, e interações medicamentosas podem ser fatais; caso você não conheça o psiquiatra veterinário daquela ave específica, é melhor não arriscar. se você estiver *realmente* agoniado com os movimentos rápidos da rivotrilha, feche os olhos e conte até 10 - ao abri-los de novo muito provavelmente a ave já vai ter ido embora, e você não vai ter mais do que reclamar.
a rivotrilha é uma das minhas aves favoritas. ela é bem medrosa, mas no fundo sei que ela quer ser desesperadamente minha amiga.
há algum tempo atrás, logo após eu lembrar que pássaros existem, eu e meu pai estávamos caminhando pela rua quando ele viu uma ave pousada num poste. "olha vinicius, um bem-te-vi!", ele disse, tentando socializar com seu filho. infelizmente, aquele era um erro fatal que não poderia passar despercebido. "tsk-tsk-tsk, papai, que ignorância... isso não é um bem-te-vi, é um neinei: um outro passarinho, muito parecido com o bem-te-vi, mas ainda assim diferente! perceba como o bico dele é maior, mais achatado. e ouça: quando ele vocalizar, perceberá que não tem nada a ver com o som característico de um bem-te-vi" - e como se fosse ensaiado, a ave emitiu um som estranho que parecia ter vindo de uma calopsita gaga. olhei para meu pai e vi que ele estava com um olhar vazio, um meio-sorriso inerte de quem estava pra rir mas parou no meio. não sei o que ele estava pensando, mas depois desse dia ele nunca mais me mostrou nenhum passarinho. vi a besteira que eu tinha feito e fui me desculpar com ele - parece que o erro fatal tinha sido meu....
porque na verdade, ele estava certo o tempo todo: o neinei e o bem-te-vi são a mesma ave, o falador-amarelo!!
o falador-amarelo é uma ave nativa da cidade de Itapetinga - BA, onde ela engaja em uma rivalidade mortal com outras duas espécies de ave: o calango-voador e a maria-rita-venha-cá; a variação intra-específica dos faladores-amarelo tem origem num ritual causado por esta acirrada competição. tudo começa no ninho: a mamãe faladora põe um único ovo, do qual nascem sempre gêmeos. no início os dois filhotes vivem em harmonia, mas depois de aproximadamente 12 semanas, os pais param de visitar o ninho e se restringem a observar de longe. os filhotes, obviamente desesperados, começam a piar igual uns malucos mas ninguém vem socorrê-los. o desespero vai crescendo, e quando a fome fica insuportável, um dos filhotes começa a bicar o outro com força, tentando devorá-lo. não demora muito pra que o outro filhote acabe ficando seriamente machucando, e assim que o sangue aparece, os pais chegam e põem um fim naquilo tudo: era tudo um teste, e temos um vencedor!! o filhote violento é entendido como o "mais forte", e dali pra frente é favorecido por seus pais recebendo fartas refeições; o outro filhote, por outro lado, recebe apenas o mínimo pra sobreviver, e é taxado de "perdedor".
quando os gêmeos chegam a uma idade mais avançada, obviamente um está bem mais desenvolvido do que o outro: o "perdedor" é tímido e fraco, se escondendo na mata; enquanto o "vencedor" é bravo e forte, batendo até mesmo em gaviões. a diferença mais clara, no entanto, é a vocalização: a garganta do mais fraco não consegue vocalizar direito e produz um som rachado, enquanto seu irmão possui uma vocalização alta e orgulhosa, que anuncia aos quatro ventos sua superioridade fraternal: "EU VEN-CI!!".
alguns ornitólogos argumentam que conforme envelhece, o gêmeo vencedor se torna mais auto-consciente e se arrepende do que fez; seguidores dessa teoria apontam que o gêmeo vencedor pode ser avistado diversas vezes levando comida para seu irmãozinho mais fraco, e segundo eles, o "EU VEN-CI!" seria menos uma humilhação, e mais uma forma de afastar os calangos-voadores. no entanto, não há muito consenso sobre o assunto.