no início do ano, depois que a silvia zerou Outer Wilds, eu fiquei algum tempo meio fissurado em tentar entender o que fazia o jogo "tick", ou seja, qual a estrutura dos mistérios do jogo. isso se desenrolou em diversas conversas com outras pessoas e finalmente se materializou como isso.
pouco tempo depois, eu acabei ficando com a ideia de: se eu fosse copiar a estrutura de Outer Wilds, eu conseguiria fazer isso 2D? (esse pensamento nasceu das minhas proprias limitações em não ter nenhuma experiencia com 3D). foi um experimento mental no começo, quase um exercicio pra ver se eu tinha entendido mesmo a estrutura do jogo. isso culminou em um GDD com 5 áreas, uma história elaborada, um monte de NPCs e mecânicas, e uma tonelada de mistérios diferentes. foi um exercício legal, mas evidentemente ele nunca seria concluído por mim - o projeto estava muito grande.
então, eu comecei a pensar: será que daria pra pegar essa ideia e fazer uma única "área", com um único mistério "grande" (como as curiosities de Outer Wilds)? eu estava disposto a tentar, e aí eu peguei uma das áreas que eu estava pensando (o bosque) e tentei separar 3 "elementos" que fossem usados em conjunto pra chegar nesse lugar. acho que 2 das 3 ideias originais vieram do pedro (o caracol e os canos).
com isso definido, o jogo estava pronto. só faltava o jogo!
programar foi desconfortável, e demorou umas boas 2 semanas segundo o github. apesar de não ser um jogo muito difícil de se programar e eu ter experiência com a Unity, foi tudo extremamente entediante. desenhar, por outro lado, foi uma joy - eu me inspirei bastante em Link's Awakening (que eu tinha recém jogado) e acho que o resultado ficou bom.
uma coisa que eu estava com medo de fazer era desenhar o mapa. o que é um mapa "bom"? quais os princípios? eu não fazia/faço a menor ideia. o que eu fiz pra ganhar um pouco de confiança foi "tracejar" por cima dos mapas de Link's Awakening e de Anodyne 1, tentando entender como eles estruturavam as coisas. eu cheguei até a analisar o nº de conexões/terrenos diferentes de cada sala do Link's Awakening, pra tentar fazer algo parecido. no fim das contas eu acabei tentando separar o mapa em regiões e seguir minha intuição de densidade ótima de "coisas interessantes por pixel quadrado". não vejo nada de obviamente errado em como o mapa ficou (exceto a área do meio, que poderia usar um pouco mais de variedade). provavelmente estou naquele ponto da curva de Dunning-Kruger que nem sei o que não sei.
tendo um protótipo em mãos, eu decidi começar a mostrar ele pras pessoas. minhas expectativas eram que as pessoas não iriam descobrir exatamente o que era pra fazer, e iam acabar desistindo - e foi exatamente o que aconteceu nos playtests, embora em graus variados. existe uma dificuldade gigantesca em fazer playtest desse jogo: depois que a pessoa já sabe como vence o jogo, o feedback dela é "inutil", e você precisa arranjar outro jogador que não saiba nada. junte isso com o fato de que eu provavelmente conheço pessoalmente umas 10 pessoas que gostam desse estilo de jogo, e o playtest se torna um pesadelo no qual eu tenho 10 chances pra acertar o jogo. meu método foi extrair o máximo de cada pessoa, mudar o jogo e partir pra próxima. eu ganhei um montão de informação com os playtests, e aprendi coisas que eu não teria aprendido sem isso.
1. a importância de interações. em um do playtests, o meu amigo igor jogou uma "fruta de fogo" numa fogueira apagada. a fogueira não se acendeu (nada aconteceu), e ele concluiu: "esse item não é de fogo". ele aprendeu algo errado com essa interação, ou melhor, com essa ausência de interação. se você quer que os jogadores sejam curiosos, então é importante recompensar sua curiosidade, isso é óbvio - mas isso significa se preparar pra dar alguma informação sobre as coisas que eles fazem. todos os jogadores tentaram explodir as portas do jogo, e o jogo nunca reconhece isso. isso é entediante, é o "anti-minecraft" em muitos sentidos (minecraft sendo um jogo que permite você interagir com tudo, a partir do momento em que tudo é enxergado como parte de um "sistema global" e fala a mesma linguagem - a linguagem dos cubos). eu não tinha pensado por essas linhas, mas é a mais pura verdade: interações pequenas são a essência da curiosidade.
2. ruído vs. sinal. nem tudo no jogo te ajuda a resolver os mistérios: certas partes do jogo são "engraçadinhos" e/ou são feitos para dar pistas de um mundo maior (como por exemplo, a placa que aponta para o deserto). porém, o jogador não tem a menor ideia do que é o que - e muitos acabam passando muito tempo latindo na árvore errada. acredito que algum ruído seja bom, porque gera uma sensação de mistério (por exemplo, tem uma casa sem ninguém no canto do mapa. eu gosto dela), mas é preciso ter bastante cuidado na hora de dosar isso. talvez exista uma diferença entre adicionar *ruído* e adicionar *mistério*, no sentido de que o mistério é uma pergunta em aberto que o jogador quer responder em algum momento, enquanto o ruído é uma pergunta em aberto que o jogador acredita que talvez necessite responder agora... preciso pensar mais sobre isso, mas acho que é um ponto importante
3. curse of knowledge. eu tive uma matéria na faculdade em que o professor tinha escrito uma apostila pra ajudar os alunos a estudarem, e a gente costumava brincar que a apostila era "muito boa, se você já soubesse a matéria". fiquei pensando nisso enquanto via as outras pessoas jogarem: os playtesters frequentemente encontravam barreiras que me faziam pensar "como vc ficou preso ai?? ta escrito no jogo o que vc tem que fazer!!" (por exemplo, praticamente ninguem percebeu que as toupeiras so comem flores azuis, ou que os canos só seguem linhas retas). em suma: as dicas que o jogo estavam dando eram muito boa, se você já soubesse as respostas. pra ensinar alguém, é preciso ter muito mais exemplos, muito mais calma do que simplesmente definições. como uma regra de dedão: se você como designer acha que algo é uma "dica sutil", provavelmente ela é impenetrável, e se você acha algo "moderadamente óbvio", ela provavelmente é uma dica sutil.
além disso, um comentário a parte:
problemas do visual do jogo: apesar de eu achar que os desenhos e a paleta ficaram bonitos, eu pensaria duas vezes antes de usar um artstyle parecido para um jogo desse tipo. não exatamente os visuais, mas a estética geral: árvores e grama e montanhas. todos esses são lugares que já vimos milhões de vezes em jogos, e que estamos carecas de saber: lugares que não convidam entendimento, mas familiaridade. são coisas clichê e com 0% de mistério. quer dizer, eu sei exatamente por que eu escolhi essa estética (porque é mais fácil de desenhar já que não preciso inventar nada), mas fica ai o aprendizado.
e é isso, eu acho. meus aprendizados. eu aprendi bastante coisa, e apesar de não ter consertado todos os problemas que encontrei (p.ex.: explodir os canos não faz nada. idealmente faz alguma coisa que ajuda o jogador a progredir, ou entender algo). estou enrolando pra implementar mudanças, mas eu teria que re-planejar algumas coisas um pouco fundamentais no jogo, e pra ser sincero tô com preguiça: acho que nessa altura seria melhor usar os aprendizados pra criar uma outra experiência. mas foi legal. recomendo