reflexões curtas sobre os livros que eu li em 2023, em ordem razoavelmente cronológica. como tudo na vida, 90% é meio "meh", então eu destaquei os que mais me impactaram.
em 2023 eu passei bem menos tempo lendo (porque passei boa parte do ano viajando), mas acabou que deu pra ler mais do que eu esperava! ainda não retornamos aos níveis da pandemia, mas estamos chegando lá, e acho que 2024 vai ter mais coisas.
se tiver curiosidade, meus hábitos de leitura estão mais ou menos descritos no meu post "três dicas pra ler mais", publicado em 2022 (:
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quem sabe a sua recomendação pode mudar a minha vida?
comecei a ler esse livro porque tive um pesadelo em que me perguntavam quem tinha vindo primeiro, os assírios ou os acádios, e eu não sabia responder. o livro é bem escrito e cheguei a ler 70%, mas confesso que hoje, 10 meses depois de ter fechado a leitura, já não lembro de muita coisa -- exceto que os acádios vieram primeiro
brincadeiras à parte, acho estudos sobre a antiguidade fascinantes pra caralho, e quero revisitar isso no futuro em algum momento!! tem algo inquietante pra mim em como esses povos eram simultaneamente (1) humanos como nós, (2) que eles estavam inventando praticamente tudo pela primeira vez, e (3) como tantas das decisões que eles tomaram lá atrás tiveram impactos diretos na nossa vida hoje em dia... (estou olhando pra você, proto indo-europeu). se vc gosta do tema, vou deixar esse link aqui como quem não quer nada
"Egyptian pictograms, which we now call hieroglyphs, don’t seem to have evolved from a counting system. Most likely, the Egyptians learned the technique of pictograms from their neighbors to the northeast. But unlike Sumerian cuneiform signs, which lost their resemblance to the original pictograms, Egyptian hieroglyphs retained their recognizable form for a very long time. Even after the hieroglyphs became phonetic signs, standing for sounds and not objects, they were recognizable as things: a man with hands raised, a shepherd’s crook, a crown, a hawk. Hieroglyphic script was a mixed bag. Some of the signs remained pictograms, while others were phonetic symbols; sometimes a hawk sign stood for a sound, but sometimes it was just a hawk. So the Egyptians evolved something called a determinant, a sign placed next to a hieroglyph to show whether it served as a phonetic symbol or as a pictogram."
"In fact, far from being phonetic, hieroglyphs were designed to be indecipherable unless you possessed the key to their meaning."
se você, assim como eu, gosta de livros de mistério em que não dá pra fazer a menor ideia de onde o autor quer chegar, leia Eversion. o livro conta a história de Silas Coade, o médico oficial de um navio do século 19 cuja missão é encontrar um edifício na costa da Noruega. exceto que o protagonista... morre? e que o livro tá categorizado como "ficção científica"?? e que a capa é uma GALÁXIA??? aliás, o que caralhos é uma EVERSÃO!?!
recomendado pra quem gosta de livros que são puzzles que são livros.
existe um negócio em linguística chamado declinação, que é basicamente quando você muda uma palavra pra indicar a forma como ela está sendo usada na frase. o exemplo mais imediato é o do plural: quando uma palavra se refere a mais de um objeto, adicionamos um "s" ao final dela pra indicar isso, algo que é feito não só no nosso português, mas também no espanhol, no inglês, no francês... de fato, é algo tão comum que parece até que vem por padrão nos idiomas, né? tipo quarto de hotel com sabonete. exceto que em 2022 eu conheci um esloveno, e ele me contou que seu idioma não tem apenas uma declinação de plural, mas quatro:
uma mesa | ena miza |
duas mesas | dve mizi |
três mesas | tri mize |
quatro mesas | štiri mize |
cinco mesas | pet miz |
sim, é isso mesmo que vc entendeu: eles tem uma terminação pra quando a palavra se refere a 1 objeto, outra terminação pra quando se refere a 2, uma terceira pra quando se refere a 3 ou 4 objetos, e uma quarta pra quando se refere a 5 ou mais.
e a pergunta que inevitavelmente surge é: pra quê, meu deus!?! é realmente tão importante assim expressar na palavra "mesa" se são duas ou três? vale o esforço de ter que decorar uma terminação a mais?? de fato, dependendo de quem você pergunta, parece mais um exemplo típico de como esses eslavos são malucos... exceto que essas declinações "loucas" não existem só no esloveno: o próprio latim, tataravô do português, também tinha um monte. vamos pegar a palavra "ano": se ela é o sujeito da frase, em latim seria annus; se ela é o objeto, seria annum; se ela é um vocativo ("ó ano terrível!") seria anne; se fosse no modo dativo ("até o ano X") seria anno; se fosse genitivo ("do ano X") seria anni; e assim por diante.
assumindo que idiomas não são inventados por pessoas específicas, ou seja que nunca houve um conselho de 7 anciões que sentou pra decidir todas as regras gramaticais do latim ou do esloveno ou do que quer que seja, a seguinte pergunta inevitável é: como que estruturas gramaticais tão complexas como essas surgiram? se nossos idiomas são resultado de transformações orgânicas análogas à seleção natural, como caralhos decidiram """organicamente""" que em esloveno era importante diferenciar "duas mesas" de "três mesas"?? de fato, por que o esloveno e o latim são tão diferentes em alguns aspectos e tão parecidos em outros?? por que em espanhol "fonte" é "fuente" mas "coca-cola" não é "cueca-cuela"?? como idiomas funcionam?????
The Unfolding of Language é um livro sobre mistérios escondidos debaixo do seu nariz. sobre coisas que você nunca parou pra se perguntar, mas que de fato merecem respostas. é também um dos melhores livros que eu li em 2023, e se você ficou minimamente interessado pelo o que eu disse aí em cima, imploro que dê uma olhada.
certo dia eu estava na espanha, trabalhando no nosso laboratório de doutorado, quando de repente ouvi dois colegas conversando no corredor. eles cochichavam sobre um indiano de outro laboratório: "você acha que ele fez graduação aonde, na índia?", e o outro brincou: "eles não devem ter nem universidade lá!". risadas.
ler Babel me fez reviver não só esse como muitos outros comentários, inofensivos e sorrateiros, que cheguei a ouvir no país que me acolheu maravilhosamente durante 1 ano, mas que cuja claim to fame é basicamente ter sido o maior império colonialista de sua época. não quero dar muitos detalhes sobre o enredo do livro em si, mas basta dizer que é tipo um "anti harry potter": o protagonista também é um órfão que ingressa num colégio de magia na inglaterra, onde ele faz amigos e destaca -- a diferença é que dessa vez o moleque é chinês e tudo se passa no século 19, período no qual a inglaterra e a china tinham uma ótima relação, se é que me entende. além disso o livro tem um dos sistemas de magia mais interessantes que eu já vi, baseado em... linguística! muito bom.
nesse ano eu baixei um monte de livros sobre data science, e se eu não botei nenhum outro nessa lista, é porque parei no início de todos -- menos esse, que não só terminei como comprei uma cópia física.
são dicas diretas de como fazer bons gráficos, divididas em três categorias: (1) coisas óbvias que não me agregam em nada, (2) coisas que eu já sabia mas que nunca tinha verbalizado, e (3) coisas que eu nunca pensei mas fazem sentido. eu chutaria que a divisão é tipo 20%, 60%, 20%, e isso pra mim tá de bom tamanho
o livro começa de maneira tão lenta que confesso que pensei até mesmo em abandonar, mas no momento em que se iniciaram "Os Acontecimentos", eu literalmente não consegui parar de ler. sabe quando você passa todo momento do seu dia pensando "minha nossa mal posso esperar pra parar de trabalhar/comer/dormir e poder voltar a ler"? então, é disso que estamos falando. nível "café da manhã de um lado e kindle do outro", nível "vinicius ta tudo bem?". obsessão hard.
é uma história de aventura que se passa numa cidade bizarra, onde seres-cacto vivem ao lado de homens-sapo e mulheres-cabeça-de-escaravelho. o protagonista é o Professor Aloprado e a missão dele é fazer um homem-pássaro que perdeu as asas voltar a voar. nada disso faz sentido e foi o meu livro favorito de 2023, assim como "Embassytown" (também do Miéville) foi o meu livro favorito de 2022. esse homem me fez ter umas expectativas absurdas e eu confesso que tenho medo de ler qualquer outro livro dele.
na superfície, o livro de ficção "Stoner" conta a história de vida de William Stoner, um professor de literatura americano do séc. 19 conhecido como um dos típicos "professores jurássicos" que todo bom departamento universitário possui e protege/atura/idolatra. por baixo da superfície, no entanto, esse livro é um enorme teste de personalidade, cujo núcleo se resume a uma simples pergunta: o quão ruim foi a vida desse home? pra mim a vida dele foi ok, ele fez o que pôde com o que tinha, mas tenho certeza que meu pai diria que a vida do cara foi uma merda absoluta. e honestamente, isso diz mais sobre nós dois do que sobre o livro, porque nem eu e nem ele estamos exatamente certos: Stoner é ao mesmo tempo um covarde miserável, e um dos personagens mais guerreiros que eu já vi na vida
"Sloane leaned forward until his face was close; Stoner saw the lines on the long thin face soften, and he heard the dry mocking voice become gentle and unprotected. "But don't you know, Mr. Stoner?" Sloane asked. "Don't you understand about yourself yet? You're going to be a teacher." Suddenly Sloane seemed very distant, and the walls of the office receded. Stoner felt himself suspended in the wide air, and he heard his voice ask, "Are you sure?" "I'm sure," Sloane said softly. "How can you tell? How can you be sure?" "It's love, Mr. Stoner," Sloane said cheerfully. "You are in love. It's as simple as that." It was as simple as that."
a passagem de tempo na universidade também é algo belo de se acompanhar, a história de como as pessoas vão subindo (ou não) na hierarquia, de como acontecimentos normais são exagerados até se tornarem lendas -- é tudo algo que eu encontrei durante o meu tempo na faculdade, mas aqui apresentado de outro ponto de vista. depois de ler Stoner é difícil olhar praqueles professores jurássicos do departamento da mesma forma, e se o livro consegue te fazer empatizar com eles, dá pra ver que tem algo aí
a história de um jovem oficial, Giovanni Drogo, que é transferido pra uma velha fortaleza onde a guerra sempre está prestes a acontecer.
eu não consigo descrever o estilo de escrita desse livro como nada além de mágico. eu nunca vi algo parecido antes: o autor tá falando sobre a história do Drogo, e aí do nada ele para e começa a falar com você, leitor, sobre a vida, como um avô que conta uma história pro seu neto e que está menos interessado em contar a história do que em passar pro neto qual é, exatamente, o ponto da história como um todo -- ou melhor dizendo, o ponto da vida. é um livro mesmerizante que te faz pensar se você não está cometendo o mesmo erro de Drogo: deixando a inércia te arrastar à espera de um amanhã que nunca chega. não sei a diferença entre irreal e surreal mas o livro é os dois. lembro que quando terminei, eu gostei mas não tanto; depois que eu reli e deixei o tempo passar, sinto que ele cresceu ainda mais no meu coração.
"Up to then he had gone forward through the heedless season of early youth—along a road which to children seems infinite, where the years slip past slowly and with quiet pace so that no one notices them go. We walk along calmly, looking curiously around us; there is not the least need to hurry, no one pushes us on from behind and no one is waiting for us; our comrades, too, walk on thoughtlessly, and often stop to joke and play. From the houses, in the doorways, the grown-up people greet us kindly and point to the horizon with an understanding smile. And so the heart begins to beat with desires at once heroic and tender, we feel that we are on the threshold of the wonders awaiting us further on. As yet we do not see them, that is true—but it is certain, absolutely certain that one day we shall reach them.
Is it far yet? No, you have to cross that river down there, go over those green hills. Haven't we perhaps arrived already? Aren't these trees, these meadows, this white house perhaps what we were looking for? For a few seconds we feel that they are and we would like to halt there. Then someone says that it is better further on and we move off again unhurriedly.
So the journey continues; we wait trustfully and the days are long and peaceful. The sun shines high in the sky and it seems to have no wish to set.
But at a certain point we turn round, almost instinctively, and see that a gate has been bolted behind us, barring our way back. Then we feel that something has changed; the sun no longer seems to be motionless but moves quickly across the sky; there is barely time to find it when it is already falling headlong towards the far horizon. We notice that the clouds no longer lie motionless in the blue gulfs of the sky but flee, piled one above the other, such is their haste. Then we understand that time is passing and that one day or another the road must come to an end.
At a certain point they shut a gate behind us, they lock it with lightning speed and it is too late to turn back. But at that moment Giovanni Drogo was sleeping, blissfully unconscious, and smiling in his sleep like a child."
gostaria de agradecer imensamente à minha amiga italiana que me recomendou esse livro, sem ela eu não saberia nem que ele existe. leia você também.
texto paradidático clássico nos EUA que eu nunca tinha lido. gostei da história e fiquei bem investido -- inclusive tiveram momentos que eu tive que parar de ler porque eu simplesmente não tinha a energia emocional pra continuar lendo (algo que raramente acontece comigo, pra ser sincero). só não gostei mais porque não gostei do estilo do Steinbeck: parece que eu tô lendo o roteiro de um filme, que é algo que me incomoda bastante
li por recomendação de sol, que escreveu "SO SO GOOD. new mandatory reading". confesso que não compartilhei do mesmo nível de entusiasmo, mas me diverti ainda assim -- sou fascinado por biopunk desde que acidentalmente ganhei um deck Simic de Magic: The Gathering em 2009, e achei muito inteligente como a história mesclou essa estética com as questões queer/trans (não sei se isso é algo comum nesse tipo de literatura, mas pra mim foi novo). além disso, tem algo especial em ler um livro que você baixou pelo itch.io.... acho que introduz uma intimidade gostosa à experiência, tipo jantar à luz de velas ou entrar na casa de alguém no habbo. o fato do livro ser parcialmente inspirado num EP específico do The Mountain Goats é a cereja no topo do bolo
"More rumors spread among the Jennys and Johns. Dreaming bodies, bodies that mouth words or open their eyes for a moment and look right at you. The guards dismiss it as childlike, brain-damaged nonsense. The techs do too, although they try to be nicer about it. We don’t know if the doctors are aware of the rumors at all. The daylight hours stretch longer. The strange flowers grow in all sorts of new configurations. They bleed amniastasis-scented sap. They open their blind eyes towards the sun, blinking mindlessly."
(a parte da axolote me deixou incomodado.....)
fui ler por recomendação do Derek Sivers. nunca fumei um cigarro na minha vida, mas tenho certeza que se você comer esse livro, vai ter gosto de nicotina
livro de "auto-ajuda empresarial" que se diferencia dos demais por conta dos autores serem pessoas que parecem minimamente decentes, e que não deixariam por exemplo a porta do elevador fechar na sua cara (um dos autores é o DHH, autor do Ruby on Rails). a apresentação é legal e eu gosto como cada capítulo tem um desenho próprio (eu gosto de desenhos), mas infelizmente não extraí muita coisa. acho que isso diz mais sobre mim do que sobre o livro -- parando pra pensar agora, por que caralhos eu li um livro sobre criar sua própria empresa se eu nem tenho nem quero ter uma empresa? Kitara - Dizem Que Sou Louca
a história maluca de como os EUA criaram uma infraestrutura econômica mundial em que tudo passa por eles, e na qual eles detém o poder de cortar fluxos de dinheiro em qualquer lugar do planeta. lembro que logo após o início da guerra da ucrânia em 2022, saiu no jornal que todos os bancos russos foram cortados do SWIFT, mas eu não entendi muito bem na época o que isso significava -- agora depois de ler esse livro, eu não só entendo o que é o tal do SWIFT, como também tenho o contexto necessário pra apreciar o quão absolutamente insana foi essa decisão, que foi tomada quase monocraticamente pelos EUA (eles estavam com o brinquedinho há tanto tempo... seria uma pena não conseguir utilizá-lo!! flashbacks de hiroshima e nagasaki).
não costumo ler coisas sobre geopolítica então o livro me pareceu bem denso e não absorvi tudo, mas o pouco que absorvi foi bom pra me ajudar a entender o mundo em que vivemos. é tipo a experiência de assistir um documentário do Adam Curtis, só que sem a voz de um britânico no seu ouvido falando coisas como "But then something strange happened......"
meio-livro/meio-manifesto escrito pelo Cory Doctorow, jornalista que presenteou o mundo com o termo "enshittification": a tendência das plataformas online ficarem uma merda com o passar do tempo
"Here is how platforms die: first, they are good to their users; then they abuse their users to make things better for their business customers; finally, they abuse those business customers to claw back all the value for themselves. Then, they die. I call this enshittification, and it is a seemingly inevitable consequence arising from the combination of the ease of changing how a platform allocates value, combined with the nature of a “two sided market,” where a platform sits between buyers and sellers, hold each hostage to the other, raking off an ever-larger share of the value that passes between them."
apesar desse trecho acima não estar no livro (pq foi escrito pra um artigo que saiu antes), acho que é representativo do conteúdo do mesmo: basicamente o Doctorow falando sobre certos fenômenos socio-digitais que estão acontecendo, por que eles estão acontecendo, e como evitar que eles piorem.
por exemplo, ele fala bastante sobre interoperabilidade: se eu sou usuário do Gmail mas a Google lança uma atualização que me incomoda a ponto de eu querer sair da plataforma, posso trocar pro Yahoo ou pro Hotmail tranquilamente -- vou continuar podendo enviar mensagens pra todos os meus contatos, e inclusive consigo extrair todo o meu histórico de emails e carregar na outra plataforma -- o único inconveniente vai ser a troca de endereço de e-mail, e às vezes nem isso. por que essa troca é tão fácil? porque os serviços de e-mail são interoperáveis, o que cria um incentivo pra Google fazer um serviço decente já que eu posso sair a qualquer momento. em comparação, olha pras redes sociais: se eu não gosto de usar o Twitter, posso até trocar pro Bluesky ou pro Threads, mas aí eu vou perder todos os meus seguidores -- vou ter que descobrir não só qual o usuário de cada um na nova plataforma, mas até mesmo se eles estão na plataforma. resultado? ninguém gosta do Twitter, mas ninguém quer sair, porque (pasme!) as pessoas não gostam de perder tudo que construíram ao longo de anos.
em outras palavras, redes sociais tendem a não ser interoperáveis. e quando não existe interoperabilidade, a empresa percebe que pode fazer o que quiser já que você não vai fazer nada a respeito, e inevitavelmente o produto começa a ficar uma merda. eu não consigo me ver usando o mastodon no futuro próximo, mas pelo menos agora eu finalmente entendo o que é o tal do "fediverso" e qual o problema que ele está tentnado resolver.
o livro é muito bom! eu gostei bastante e recomendo fortemente. é bem menos denso do que parece, e se você gosta de pensar sobre Big Techs e os fenômenos digitais que nos cercam, acho que vai curtir
eis um fato curioso: pra navegar de forma segura em alto mar, é útil saber sua posição exata; isso significa saber sua latitude (eixo norte-sul) e sua longitude (eixo leste-oeste). no entanto, analisar a posição das estrelas só te dá a latitude, e não a longitude: isso ocorre porque a terra gira no eixo leste-oeste mas não no eixo norte-sul (a grosso modo), então se você andar no eixo norte-sul vai acabar vendo constelações diferentes, mas se você andar no eixo leste-oeste, vão ser as mesmas (ignorando é claro as mudanças que são originárias do fato de que o tempo passou enquanto você caminhava; afinal de contas, se você ficar parado, o céu muda porque a terra gira, como dá pra ver nesse vídeo)
as consequências disso são chocantes: durante a maior parte da história humana, as navegações aconteciam na base do chute: os navegadores usavam seus astrolábios e sextantes e o cacete a quatro pra determinar a latitude com precisão, mas eles não faziam a menor ideia da longitude. sim, existiam gambiarras (como por exemplo o 'dead reckoning', em que você lança um objeto no mar e observa quanto tempo demora pra ele se afastar X metros do seu navio, pra assim descobrir a velocidade de navegação e calcular a posição atual com base na passada), mas no fim do dia todas eram apenas isso: gambiarras. ninguém tinha um método confiável de definir longitude, e por conta disso milhares de navios se perdiam todos os anos no oceano, achando que estavam num lugar sendo que estavam em outro
eis outro fato curioso: é possível determinar sua longitude se você souber que horas são onde você está e em outro local. por exemplo, vamos supôr que você está no meio do mar e o sol está a pino -- logo, são 12h. se você sabe que nesse exato momento são 9h no rio de janeiro, então você também sabe que a diferença em longitude de onde você está pro rio de janeiro são de 45º. por que? porque um dia tem 24h, e esse é o tempo que demora pra terra girar 360º -- ou seja, ela gira 15º por hora. se são 3h de diferença, você está a 45º de distância! então tem uma forma de definir a sua longitude perfeitamente, basta saber que horas são em outro lugar. fácil!
mas espera: quando o relógio foi inventado mesmo? pois é. esse livro conta a história do cara que inventou o relógio, de como essa missão consumiu completamente a vida dele, e de como ele foi completamente rechaçado pela comunidade científica da época. porque veja: ninguém acreditava que seria possível criar um dispositivo que te dissesse as horas com precisão (muito menos as horas em outro lugar), então quando você falava de descobrir a longitude, todo mundo pensava que a melhor forma de atacar o problema seria... olhando para ~os astros~. afinal de contas, eles te dão a latitude, por que não dariam a longitude também? é só questão de nos esforçarmos mais: por exemplo, se você está em alto-mar e sabe que vai ter um eclipse solar visível de todo o hemisfério sul, e que ele vai acontecer às 9h do rio de janeiro, então é só anotar: que horas você vê esse eclipse em alto-mar? se você vê ele às 12h (o sol estava a pino quando foi coberto pela lua), então dá pra concluir que nesse exato momento são 9h no rio de janeiro. perfeito!! significa que a diferença de longitude de você pro rio de janeiro são 45º. em outras palavras: fenômenos celestes pré-conhecidos são uma outra forma de deduzir que horas são se você estiver no meio do nada. o problema é que eclipses solares não acontecem exatamente todo dia, então os astrônomos precisaram começar a compilar fenômenos celestes observáveis cada vez mais obscuros, tipo eclipses entre luas de saturno ou a passagem de cometas. de fato, dezenas de intelectuais do mais alto status social passaram todas as suas vidas compilando tomos e mais tomos de eventos celestes super específicos -- certamente o trabalho deles não seria jogado no lixo por um... DOIDO... com um... """ RELÓGIO """!!
a história é muito foda. o cara não só teve que inventar o relógio, como convencer todo mundo de que aquela porra funcionava. o livro é excelente, documentário do mais alto calibre. te vende o problema e o contexto inteiro pra você ficar investido ao máximo na importância da solução e do protagonista. john harrison é um absoluto herói e eu sonho com um dia poder visitar o Observatório Real de Greenwich pra ver as tralhas dele funcionando. mas confesso que parte de mim acha meio triste que os astrônomos tenham perdido esse duelo pra um tecnocrata safado -- como uma pessoa que pegou o final da Age of Stars no Elden Ring, confesso que tem algo sexy e poético em depender completamente do céu noturno pra fazer tudo. talvez se dependêssemos das estrelas até hoje, eu poderia ao menos VÊ-LAS
(ler esse livro também me fez cogitar outra coisa: será que essa ideia de "ter um relógio configurado no horário do local X te ajuda a chegar no local X" foi a inspiração pros log poses de one piece? pensamentos)
um lindo livro que não apenas me deixou com o coração na mão (como há muito tempo eu não ficava), como também me presenteou com uma nova forma de ver o mundo: fantasias sobre efeitos de quarto, quinto e sexto grau. qual a consequência das consequências das consequências das minhas ações?
"Red has done what she came to do, she thinks. But wars are dense with causes and effects, calculations and strange attractors, and all the more so are wars in time. One spared life might be worth more to the other side than all the blood that stained Red's hands today. A fugitive becomes a queen or a scientist or, worse, a poet. Or her child does, or a smuggler she trades jackets with in some distant spaceport. And all this blood for nothing."
tremendamente fácil de ler, gostoso e viciante igual chocolate. o livro pode ser resumido com uma frase famosa de metal gear solid mas não vou falar qual é. uma carta de amor a cartas de amor. se você quiser ler algum livro dessa lista... honestamente? que seja esse.
fui obrigado a ler. and that's really all there is to say on the matter
também por recomendação de sol, que dessa vez lançou um "TED CHIANG AUAUAUUAUUUAUAUAUU !!" cujo entusiasmo eu compactuo integralmente. "Exhalation: Stories" é uma coleção de contos de sci-fi que são um melhor que o outro, do mesmo autor que escreveu o conto por trás do aclamadíssimo Arrival (2016). como ele consegue???
eu acho muito foda como algumas histórias tem temas parecidos mas atacam o assunto de direções diametralmente opostas -- o que você faria se descobrisse que não tem livre-arbítrio? aceitaria e se renderia, ou decidiria que sua vida não tem sentido? e se você pudesse ter memória perfeita de todos os momentos da sua vida, o que você faria? aceitaria ou rejeitaria? sol falou que os temas são sempre interessantes e é verdade. em particular, não consigo parar de pensar em "The Lifecycle of Software Objects" -- eu quero ter um bichiiiinho que apreeeeende
é uma coletânea de introduções a livros que não existem, escrita pelo Stanislaw Lem, autor do "Cyberiad" que li ano passado e que me deixou maluco. esse aqui não chega nem perto de providenciar o mesmo prazer e diversão, mas ainda assim é fascinante ver como a mente do Lem funciona, ele falando sobre bactérias super-inteligentes e sobre a história da literatura escrita por computadores. as melhores partes pra mim, no entanto, são quando o capítulo é estruturado igual um episódio de Nathan for You: ele te apresenta o problema, te convence que é um problema real, e depois surge com a solução mais bizarra possível. por exemplo:
"In the 1970s, the traditional encyclopedias in general use for the last two centuries began experiencing a Serious Crisis, in that their information was out of date the moment it left the printers. [...] Thus with each passing year even the most recent encyclopedias became outdated, acquiring only a historical interest as they stood on the shelves. Many Publishers endeavored to avert this crisis by publishing yearly and later even quarterly Supplements, but soon these Supplements began to exceed the dimensions of the Actual Edition. The realization that this Race against the Acceleration of Civilization could not be won struck Editors and Authors alike."
The Plan?
"This led to the compilation of the First Delphiclopedia, an Encyclopedia which was a collection of Entries containing Predictions for the Future."
não dá pra ler sem rir. é comédia pura.
infelizmente o livro não é assim o tempo todo, e tem várias partes em que ele começa a falar um monte de abobrinha repetida e eu genuinamente não sei se ele faz isso de sacanagem, mas chuto que sim (eu estou olhando pra você, Golem XIV). é uma leitura curiosa, não me fez correr em círculos gritando igual o Cyberiad mas acho que não vou parar de pensar em bactérias super-inteligentes durante um tempo