livros que eu li em 2024


reflexões curtas sobre os livros que eu li em 2024, em ordem razoavelmente cronológica. como tudo na vida, 90% é meio "meh", então eu destaquei os que mais me impactaram.

em 2023 eu li 19 livros e disse que queria ler mais, e aí chega 2024 e eu li 19. um fracasso?? curiosamente não! o que acontece é que eu li MUITO livro/módulo de RPG esse ano, e pra não poluir a página, acabei deixando elas de fora dessa página. mas que fique aqui registrado que eu definitivamente li mais em 2024 do que em 2023!!

se tiver curiosidade, meus hábitos de leitura estão mais ou menos descritos no meu post "três dicas pra ler mais", publicado em 2022 (:


edições anteriores:

>> [livros que eu li em 2020]
>> [livros que eu li em 2021]
>> [livros que eu li em 2022]
>> [livros que eu li em 2023]


Sumário

clique nos títulos pra uma fácil navegação!

  1. The Grapes of Wrath
  2. The Empress of Salt and Fortune
  3. When the Tiger Came Down the Mountain 💖
  4. Into the Riverlands
  5. Mammoths at the Gates
  6. The Way of Kings
  7. Piranesi 💖
  8. O Nome da Rosa ⭐
  9. Mort
  10. The Murderbot Diaries 1-5 ⭐
  11. Jonathan Strange & Mr. Norrell ⭐
  12. The Videogame Industry Does Not Exist ⭐
  13. 1499: O Brasil antes de Cabral
  14. Project Hail Mary
  15. Children of Time 💖
  16. Elder Race
  17. The City and The City
  18. Your Money or Your Life ⭐
  19. The Traitor Baru Cormorant

se tem algum livro que você gostaria de me recomendar, por favor, entre em contato!!
tem uma seção de comentários logo abaixo que não precisa nem de cadastro.
quem sabe a sua recomendação pode mudar a minha vida?


  1. The Grapes of Wrath (John Steinbeck, 1939)
  2. é a história de uma família de fazendeiros do centro-oeste americano que é expulsa de suas próprias terras por um Grande Banco(TM), e acaba se vendo forçada a migrar pra Califórnia em busca de melhor qualidade de vida e oportunidades de emprego. exceto que existem milhares de outras famílias indo pra Califórnia assim como eles, e o que deveria ser um sonho... acaba se tornando um grande pesadelo (ler na voz do Dirceu Rabelo)

    esse livro é um clássico da literatura estadunidense, e agora entendo perfeitamente o motivo. por um lado, é uma história emocionalmente impactante contada de um jeito que faz você querer virar toda página ("o que será que vai acontecer com eles agora??"). por outro lado, é um relato contemporâneo de dois eventos importantes pra história dos EUA (dust bowl e a grande depressão), do ponto de vista das pessoas que realmente sentiram esses eventos na pele, e que migraram e morreram por conta disso. por um terceiro lado, é uma crítica cirúrgica do American Dream, de modo que acho impossível alguém ler esse livro sem concluir que ou (1) é tudo mentira, ou (2) tem algo errado em esse país cuida dos seus cidadãos (lê-se: tem algo errado com a lógica capitalista). por um quarto e último lado, o livro tem um verniz de realismo quase documental, com pessoas, lugares e cenas descritas de um jeito tão específico que só podem ter sido fortemente inspiradas em pessoas, lugares e cenas reais; de fato, depois que você lê um pouco sobre a história por trás desse livro, a conta fecha: Steinbeck passou 3 anos pesquisando e visitando acampamentos de imigrantes na Califórnia antes de coletar material suficiente pra conseguir escrever o livro, com algumas anedotas tendo sido diretamente tiradas de coisas que ele viu e escutou em primeira mão.

    tendo dito tudo isso... não ressonou comigo. consigo apreciar intelectualmente, mas não tocou nenhuma frequência presente na minha alma. com o Of Mice and Men foi a mesma coisa; acho que eu simplesmente não gosto do Steinbeck e do estilo de escrita dele. parece que eu tô lendo o roteiro de um filme sei lá

    e falando em filme, tem um filme desse livro feito em 1940!! e por alguma razão, eu acabei assistindo com meus pais, porque achei que talvez fosse um programa legal pra fazermos juntos (às vezes assistimos filmes antigos, tipo Casablanca, Maltese Falcon, Hitchcock, etc). só que depois de 5 minutos de filme de uns caipira americano falando coisas como "ei Casy, seu pescoço-vermelho, vamos para a Califórnia!" eu pensei: "fudeu, meus pais não vão entender nada, e pra piorar o filme é lento pra caralho. eu não deveria ter feito isso", e aí com o passar do filme eu fui ficando cada vez mais angustiado... até que eu DORMI. sim eu dormi na porra do filme, mais precisamente na marca dos 40 minutos. e aí no final das 2h de duração eu acordei com a tela de créditos, meus pais olharam pra mim e disseram: "gostei bastante do filme, muito bom, ador- vinicius você DORMIU?".

    sem dúvida foi minha experiência cinematográfica mais bizarra depois de Jogos Vorazes

  3. The Empress of Salt and Fortune (Singing Hills Cycle #1, Nghi Vo, 2020)
  4. uma experiência curta mas intrigante. o livro se passa num universo fortemente inspirado pela mitologia asiática (e pelas crenças vietnamitas em particular), no qual a função dos clérigos não é ficar sentado o dia inteiro rezando, mas sair pelo mundo coletando histórias e fazendo registros -- ou seja, eles são efetivamente arquivistas e historiadores. e se em qualquer livro de fantasia isso seria um detalhe do universo mencionado en passant, em "the empress of salt and fortune" isso é um fato central, já que a protagonista do livro, Chih, é uma dessas clérigas!!

    "That is your calling, isn’t it? To remember and to mark down.

    It is. Sometimes the things we see do not make sense until many years have gone by. Sometimes it takes generations. We are taught to be content with that.

    Rabbit tilted her head, looking at Chih carefully.

    “Are you? Content with that, I mean?”

    “After my novitiate, they sent me to the kingdom of Sen, where Almost Brilliant and I were to take an account of their summer water festival. We were just meant to be there to record populations, dances, fireworks, things like that, but on the ninth day of the festival, a brown carp cleared the final gate of the city’s dams and became a calico dragon. It twisted over the city, bringing down a month of holy rain, and then it was gone. Grandmother, I am very content.”

    a ideia de um historiador clérigo numa setting asiática me pareceu tão refrescante que fui agarrado de imediato. infelizmente, parece que minhas expectativas ficaram altas demais, porque o resto da leitura foi um pouco... decepcionante :( ao longo do livro, Chih ouve e registra a história da vida de uma velha senhora que serviu à antiga imperatriz, pouco a pouco descobrindo informações que mudam completamente o entendimento de certos eventos históricos do mundo. no meio disso tudo, diversas ideias são abordadas: como o consenso histórico é construído? que pessoas são normalmente deixadas de fora da História com H maiúsculo? tudo isso é legal e tal, mas a história da mulher simplesmente não ressonou muito comigo. me pareceu algo meio... básico. sem entrar com spoilers, mas é uma história simples contada de forma competente -- pouco mais que isso.

    então a ideia é ótima, a setting é ótima, a estrutura em si é ótima (cada capítulo sendo um dia de entrevista), a escrita é ótima (eu simplesmente adoro como o Chih fala), e honestamente até a capa do livro é maravilhosa... só o diabo da HISTÓRIA em si que é medíocre maksldmaskldas. saiba contudo que eu tô na minoria: esse livro é amplamente amado, ganhou o Hugo e os caralhos, então apesar de eu querer gostar do livro mais do que gostei de fato, é bem possível que você goste mais do que eu. felizmente tem outros livros da autora nesse mesmo universo que são igualmente curtos então mal posso esperar pra puxar outra vez a alavanca desse bandido, quem sabe da próxima vai!

    fato adicional: reler o livro é extremamente prazeroso, já que você se torna capaz de entender um monte de detalhes que passaram completamente despercebidos da primeira vez (o lago estava sendo "declassificado"?? ela ficou doente porque os médicos fizeram o quê?? etc). é tipo dark sou-

  5. When the Tiger Came Down the Mountain (Singing Hills Cycle #2, Nghi Vo, 2020)
  6. honestamente? perto desse livro, the empress of salt and fortune parece um esboço meia-bomba. aqui, toda a parte refrescante do setup continua firme e forte, mas a história central cativa muito mais: não só por conta da tensão constante (basicamente inexistente no primeiro livro da série), mas também por conta das brincadeiras frequentes com o que significa "contar uma história" de fato (várias versões da mesma história são comparadas e discutidas enquanto a história é contada, deixando a leitura muito mais estimulante). em compensação, sinto que esse livro não tem o negócio de ser super gostoso de se reler como o 1º, o que pode decepcionar algumas pessoas (mas não a mim, que prefiro muito mais o que foi adicionado do que o que foi removido).

    entre esse e o primeiro, leia esse que é melhor, mas se você estiver cogitando ler os dois (e por que não, se são tão curtos?), leia eles na ordem de lançamento. acho que assim dá pra apreciar melhor o que o segundo está subvertendo

    obs: eu amo a Chih!!!!

    "I am going to put that into my record, and when I get home, it will be copied twice over into the volumes kept at Singing Hills. You must be very careful about what you say to me, or you may go down in history as a liar,” said Chih in amusement.

  7. Into the Riverlands (Singing Hills Cycle #3, Nghi Vo, 2022)
  8. em "Into the Riverlands", o foco não é uma história específica (como nos livros 1 e 2), mas um monte de histórias distintas contadas para Chih durante um percurso entre duas cidades. essa mudança de foco pode parecer pequena, mas acaba mudando completamente o sabor da narrativa -- enquanto nos dois primeiros livros você conseguia ver desde o começo onde a autora "queria chegar", aqui eu não fazia a menor ideia do que eu estava lendo durante a maior parte do tempo... até o último capítulo. e aí tudo faz sentido

    “Sometimes you get told about it,” they said thoughtfully. “Maybe you get told about it two or three times, and you just don't know what you're hearing.”

    apesar de não ter a novelty do primeiro ou a tensão do segundo, "Into the Riverlands" traz um certo je ne sais quois que eleva a série a algo mais do que a soma das partes. com esse livro fica claro que o compromisso da autora não é com uma estrutura narrativa específica, ou até mesmo com o worldbuilding em si, mas com a visão artística de fazer com que cada livro da série represente um aspecto diferente do ato de contar histórias. às vezes isso significa contar uma história do começo ao fim, mas às vezes significa contar várias histórias e não se aprofundar em nenhuma. pode não ser a coisa mais legal do mundo de se ler, mas tá tudo bem!! essa é a premissa com que ela tá trabalhando e eu respeito.

    agora que é uma quebra de expectativa fudida depois de ler o segundo, é

  9. Mammoths at the Gates (Singing Hills Cycle #4, Nghi Vo, 2023)
  10. melhor do que o primeiro mas menos memorável do que o segundo e terceiro. ainda assim, uma leitura divertida

  11. The Way of Kings (Brandon Sanderson, 2010)
  12. depois de ser recomendado diversas vezes por várias pessoas, tentei dar uma chance, mas li 2 capítulos e não consegui mais. honestamente? fiquei intimidado -- pela quantidade de páginas (1.258!), pela extensão da série (são cinco livros desse tamanho), e sobretudo, pela terminologia densa. frases como

    "Here, in Alethkar, men often spoke of the legends—of mankind’s hard-won victory over the Voidbringers. But when weapons created to fight nightmares were turned against common soldiers, the lives of men became cheap things indeed."

    só me fazem pensar em

    talvez um dia eu tente de novo, quando eu estiver num momento diferente. mas definitivamente o pouco que li não me deixou exatamente motivado pra esperar que esse dia chegue logo!

  13. Piranesi (Susanna Clarke, 2020)
  14. premissa: e se robinson crusoé tivesse naufragado não numa ilha, mas na biblioteca de babel?

    definitivamente um dos melhores livros que eu li esse ano! devorei tudo em uma única noite -- o livro não é exatamente curto, mas como ele segue a estrutura de um mistério e todo capítulo traz alguma informação nova, acaba sendo difícil de largar. a estrutura me lembrou muito a do Eversion, livro sci-fi do Alastair Reynolds que li no ano passado e também gostei; os dois tem esse aspecto meio "puzzle" em que você é jogado no meio de um Universo Estranho cujas regras vão ficando gradualmente mais clara com o passar das páginas. de fato, essa descrição também se encaixa perfeitamente em alguns dos meus jogos favoritos! como por exemplo dark s-

  15. O Nome da Rosa (Umberto Eco, 1980)
  16. depois de Pentiment ter sido um dos meus jogos favoritos de 2023, ficou claro que eu ia ter que ler esse livro em algum momento, já que ele foi uma forte inspiração pro jogo (além do roteirista/diretor, Josh Sawyer, ficar postando shitposts do livro no twitter). esse mês o momento chegou, e semana passada terminei a leitura.

    O Nome da Rosa é uma mistura de romance policial com ensaio teológico com ficção histórica, um murder mystery em que a pergunta central não é "quem é o assassino?", mas sim "Jesus Cristo gargalhava?". é um livro que a maioria descreve como perfeito e a outra maioria descreve como insuportável, o que é sempre um bom sinal, já que significa que o negócio vai ser especial de alguma forma.

    digo logo que entendo perfeitamente quem acha insuportável. logo de cara, ele te dá uma avalanche de contexto histórico que é digna daquelas placas de museu que você pularia por ter muito texto: no ano de 1300, o papa é fulano, o rei é beltrano, o imperador é ciclano, existem os sectos X Y e Z, os beneditinos, os franciscanos, os cistercienses..... e não contente em te dar essas explicações uma vez, o livro apresenta elas umas três vezes, no mínimo -- não por capricho, só pra deixar claro, mas pelo simples fato de que esse contexto histórico é crucial pra você entender os fatos básicos da narrativa. pra quem não gosta desse tipo de coisa, é a definição de tortura.

    eu, por outro lado, adoro essa merda -- como atestado pelo fato de que Pentiment foi um dos meus jogos favoritos de 2023. sendo assim, eu adorei a porra do livro, e me sentiria confortabilíssimo na parte do diagrama de Venn dedicada às pessoas que não querem cometer suicídio ao lerem sobre as sutis diferenças entre seitas heréticas do século 14. devo dizer que aprendi mais aqui sobre a história das ordens franciscanas e beneditinas do que não só jogando Pentiment, mas também vivendo na Espanha por 1 ano (apesar das referências ao mundo árabe serem muito mais familiares pra mim por conta desse segundo fator). entendo que quem busca um romance policial "normal" acabaria saindo desapontado (e bota desapontado nisso), mas pra mim que não sabia exatamente o que esperar, foi uma experiência bem refrescante que me entreteve durante a maior parte do tempo.

    parte importante desse entretenimento, devo dizer, é o fato do livro ser engraçado. não chega a ser um livro de comédia, claro, mas a ingenuidade pueril do Adso (narrador) e as articulações espertinhas do William ("detetive") renderam vários momentos de risada da minha parte

    Bernard Gui, who until then had not opened his mouth, now spoke up:

    "I would be very happy if Brother William, so skilled and eloquent in expounding his own ideas, were to submit them to the judgment of the Pontiff...."

    "You have convinced me, my lord Bernard," William said. "I will not come."

    um Bom Livro!

  17. Mort (Terry Pratchett, 1987)
  18. faz anos que tenho vontade de imergir no universo Discworld, mas nunca consegui -- apesar de ter lido os dois primeiros livros da série (The Color of Magic e Light Fantastic), nunca cheguei a ler os restantes; em parte porque priorizei outras coisas, e em parte por não saber onde começar (a série tem 40+ livros!). mas quando li a recomendação do pudo de começar por Mort, vi a oportunidade perfeita de me tornar quem eu sempre quis ser: alguém que tem uma opinião sobre "Guards! Guards!"

    a premissa de Mort é que no universo de Discworld, a Morte é uma entidade antropomórfica, e pra reduzir sua carga de trabalho ela arranja um ajudante: um garoto bobo e ingênuo chamado Mort (em português tinham que traduzir o nome dele como Def). só que ele faz merda e tanãnãã~~~ travessuras malucas ocorrem (i.e. ele desfaz a fábrica do espaço-tempo porque ele se apaixona por uma garota e não consegue ceifar a alma dela)

    o livro é engraçado. o terry pratchett tem uma capacidade incrível de misturar piadas com worldbuilding que é inequiparável; teve trechos que eu simplesmente tive que pousar o livro pra rir, porque a punchline me pegou desprevenido. é genuinamente gostoso de se ler, e eu aprecio qualquer leitura que me lembre de que eu ainda sei gargalhar. é como assistir a um bom episódio de desenho animado antigo: engraçado, autocontido, leve, e várias piadas se perdem na tradução

    mas apesar disso, confesso que não terminei a leitura adorando o livro, por conta de um problema específico que eu já tinha notado nos outros livros da série: a narrativa parece estar ali pra ser só um veículo pras piadas. eu não me importo com o Mort, com a Ysabel, com Albert, com ninguém -- e de fato, acho que o Terry Pratchett também não, considerando a superficialidade emotiva de cada um deles e o quão descartáveis eles parecem de forma geral (90% dos personagens tem a duração de uma única piada, e é difícil não estender o mesmo cobertor de emoções aos protagonistas -- principalmente quando eles são tão esquecíveis)

    nada corrobora mais essa sensação de "irrelevância da narrativa" do que a forma como ela termina: ao final de Mort, tudo volta à estaca zero -- a Morte continua sem um ajudante, a História continua no mesmo rumo de antes, e os personagens importantes que tinham morrido desmorreram; de fato, a sensação de que "nada mudou" é enfatizada como o grande sucesso dos protagonistas, já que eles achavam que tinham fudido toda a fábrica do espaço-tempo. nada do que aconteceu ao longo do livro importa, exceto para os personagens principais -- os quais eu simplesmente não me importo, porque eles não foram feitos pra eu me importar.

    assim como sexo é sobre aves e abelhas, os livros de Discworld são sobre humor e worldbuilding. acho que foi por isso que o final me deixou tão bolado -- porque o livro inteiro parece dar a impressão de que haverão consequências impactantes no worldbuilding, e no final ele desfez tudo com um grande Ctrl+Z e me deixou com blue balls informacionais; como alguém que passa 5h subindo um banco de dados, mas no final decide não dar commit.

    me fez rir, mas confesso que não me deu vontade de ler os outros da série -- talvez em alguns anos, quando as memórias ruins se esvaírem e apenas as boas ficarem

  19. The Murderbot Diaries 1-5 (Martha Wells, 2018-2020)
  20. nessa onda de ler livros que ganharam o Nebula (premio literario de ficção científica), acabei topando com a série "The Murderbot Diaries", cujas noveletas ganharam o prêmio durante tantos anos seguidos que a autora teve que pedir pra ser tirada da competição (verdade!). a série conta a história de Murderbot, uma robô guarda-costas mortífera que adquire consciência, e cujo objetivo principal não é destruir todos os humanos (como seria o esperado em uma hustoria desse tipo), mas sim ficar deitada vendo Netflix o dia inteiro.

    e desse contraste vem o pulo do gato que torna a série tão cativante. Murderbot é ao mesmo tempo terrivelmente alienígena (não entendendo ou empatizando com boa parte dos comportamentos humanos) e terrivelmente humana (querendo só ficar quietinha em silêncio ao invés de sair por aí explorando planetas perigosos, que é a sua função). ou seja, a protagonista é pra todas as causas e efeitos uma adolescente gótica sarcástica, que se acha superior por ser diferente de todo mundo ao seu redor, ao mesmo tempo que Só Quer Ser Amada. é esse ponto de vista numa série sci-fi, no entanto, que gera boa parte da graça da narrativa

    They were all so careful not to look at me or talk to me directly that as soon as we were in the air I did a quick spot check through HubSystem’s records of their conversations. I had talked myself into believing that I hadn’t actually lost it as much as I thought I had when Mensah had offered to let me hang out in the hub with the humans like I was an actual person or something. The conversation they had immediately after that gave me a sinking sensation as I reviewed it. No, it had been worse than I thought. They had talked it over and all agreed not to “push me any further than I wanted to go” and they were all so nice and it was just excruciating. I was never taking off the helmet again. I can’t do even the half-assed version of this stupid job if I have to talk to humans.

    tendo dito isso, é verdade também que na maior parte do tempo, os livros da série parecem Let's Plays. por ser um robô que providencia segurança pros seus clientes, Murderbot está a todo momento hackeando sistemas e enviando pacotes e o caralho a quatro. se eu tivesse uma moeda pra cada vez que ela diz que "editou o disco de uma câmera pra apagar os trechos do vídeo em que ela aparece", eu teria dinheiro o suficiente pra conseguir importar esse livro -- e não estou falando da versão Kindle. as palavras "Uplink-core" ficaram ressoando na minha cabeça enquanto eu lia os livros e honestamente são uma descrição apta do conteúdo com o qual estamos trabalhando aqui.

    isso não é uma crítica, só pra deixar claro -- eu sou de computação e esse tipo de pensamento em sistemas me agrada. mas é bizarro pra mim como que parece um let's play, porque eu nunca vi nada parecido. de fato,.boa parte dos plot twists do livro não são originários da personalidade dos personagens, mas de exploits mecánicos que a Murderbot faz nesse jogo que ela tá jogando, o que só mostra que você não pode pular essas partes -- essas partes são o livro

    apesar de ter lido cinco livros da série, devo confessar que continuei lendo mais por inércia do que por vontade. a Murderbot é engraçada e ela vê as coisas de uma forma engraçada, granted, mas as historias em si são bem objetivas e não são interessantes o suficiente pra me fazerem pensar 'oh meu deus, preciso descobrir o que acontece em seguida!'. pelo atrativo ser tanto os personagens (e não tanto o que os personagens fazem), acho que o tamanho dos livros é uma boa escolha: todos eles são pequenos o suficiente pra serem lidos em um par de dias, ainda menores do que os do Singing Hills Cycle. e de fato, quando você chega em Network Effect (que é mais longo, e se qualifica de fato como uma Novel e não uma Novelette), a sensação é que o negócio ficou longo demais, porque na segunda metade eu já não estava entendendo mais porra nenhuma do que eu tava lendo. porque a narrativa acaba ficando desnecessariamente complexa, e eu não faço ideia da diferença de um targetControlSystem pra um targetControl

    no fim das contas, The Murderbot Diaries é tão confortável quanto as séries que a Murderbot tanto gosta, com também o mesmo grau de permanência na minha memória de longo prazo -- ou seja, baixíssimo. divertido, e pouco mais que isso

  21. Jonathan Strange & Mr. Norrell (Susanna Clarke, 2004)
  22. um livro da mesma autora de Piranesi. basicamente, a história se passa numa versão alternativa da inglaterra do século 18 em que "magia" existe e é considerada uma área de estudo normal, assim como "biologia" ou "história" -- o que, comicamente, não mudou absolutamente nada significativo na história da raça humana, já que continua existindo um país chamado inglaterra, um cara chamado napoleão que invade a europa, etc. os dois personagens no título são dois mágicos (magos?) que surgem do nada e começam a repopularizar a magia, e boa parte do livro conta a história deles (que são às vezes aliados, e às vezes adversários).

    o livro me enganchou. a autora tem um domínio impressionante do momentum da narrativa, de modo que sempre parece que tem alguma coisa acontecendo, alguma coisa sendo revelada -- não do jeito sujo meio Dan Brown, mas de um jeito honesto que te puxa cada vez mais forte pra dentro do mundinho do livro. mundinho este que possuiu um dos sistemas de magia mais interessantes que eu já vi -- sobretudo por não ser um sistema at all, e sim uma bola de vibes e sentimentos cuja incepção só pode ter sido a autora lendo o texto do brandon sanderson sobre soft magic systems e tomando aquilo como um desafio pessoal (estou ciente de que isso é cronologicamente impossível). a magia nesse livro não é "arremessar bola de fogo" ou "tornar capa invisível", mas "fazer todas as estátuas de uma igreja ganharem vida" e "trocar um rio de lugar"; é impossível entender o que de fato a magia pode fazer no contexto do livro, e de fato, nem mesmo os personagens conseguem responder essa pergunta, o que torna tudo muito mais interessante -- muitas vezes é difícil entender por que eles conseguem fazer X e não Y, o que pode parecer super arbitrário e meio "idiot plot", mas pra mim que sou de computação me parece uma quarta-feira normal e me faz lembrar daquela tirinha clássica do xkcd

    parte da graça, além de ler os shenanigans mágicos, é simplesmente ver ingleses vitorianos interagindo. me dá um prazer imenso ver eles se levando super a sério com seus "dare I say" e "it seems to me" enquanto usam perucas brancas e falam sobre fadas

    Ah, God! I take the liberty of observing, sir, that I am sinking by degrees. Ah!" He began to slip sideways. “You have often been so kind as to express an affection for me, sir, and to say how much you prefer my society to that of any other person. If it would not inconvenience you in any way, perhaps I might prevail upon you to rescue me from this horrible bog?"

    alas, apesar de eu ter sido thoroughly enganchado pelo livro, sinto que não recomendaria ele a ninguém. o livro é bom, não me entenda mal, mas ele também é enorme -- e não sinto que o conteúdo justifica o tamanho. tem uma série de televisão adaptada pela BBC que foi bem-recebida, eu vi o primeiro episódio e achei bem legal; se você gostar de ingleses e de magia, super recomendo. agora se você gostar de ingleses e de magia e quiser ler um livro sobre isso, então vai ler Babel da R. F. Kuang mesmo que aí sim o buraco é mais embaixo

    spoiler 1: foi super legal descobrir que esse livro meio que se passa no mesmo universo de piranesi. faz piranesi fazer mais sentido
    spoiler 2: é fascinante que num livro em que magia é real e cartomancia funciona, a coisa que mais me deixou desconfortável foi o cara ficar maluco de propósito bebendo xixi de gato

  23. The Videogame Industry Does Not Exist (Brendan Keogh, 2023)
  24. o primeiro livro de não-ficção que eu li esse ano!!! e é sobre... jogos. mais especificamente, sobre gamedev, e sobre as diversas formas através das quais o conceito de uma "Indústria de Jogos" acaba ofuscando outros tipos marginais de gamedev que não são homens brancos fazendo jogos AAA, ao mesmo tempo que depende dessas margens pra conseguir existir.

    eu conheci o brendan keogh por conta de uma citação dele que encontrei certa vez, que mudou minha forma de ver a "indústria" (e afetou o rumo da minha carreira):

    "There aren’t too many indie developers. There are just too many indie developers who don’t realise that being an indie developer is like starting a band. It’s a thing you do and get value out of and, if you’re incredibly lucky, might even make you some money one day maybe." (fonte)

    o livro não é sobre isso, mas ele certamente toca nesse ponto:

    "The notion that there are now too many game development students to meet the needs of videogame employers is a common claim of those gamemakers critical of game development programs and suspicious of the profitled ambitions of the universities that offer them. But whereas one might think it unwise to train to become an accountant, engineer, or veterinarian if there were ten times more accounting, engineering, or veterinary science graduates than jobs, the same is not necessarily true for creative fields such as writing, music, or acting. That is, despite the lack of poets making a living from their poetry, students still perceive some value in undertaking a poetry degree. This raises a much larger unresolved question when it comes to game development education, one that cuts to the heart of this book’s central concern: do videogame producers exist in the cultural sphere, alongside dancers, poets, filmmakers, and artists? Or do videogame producers belong in the technological sphere, alongside computer scientists, information technology professionals, and software engineers? No straightforward answer exists for such a question, but it is an epistemological tension that defines the frontier struggles of the videogame field; that underpins how different institutions approach videogame development in terms of pedagogy, course requirements, and graduate attributes; and that ultimately determines whether or not one sees the ratio of game development students to available jobs as a problematic oversupply of an employment pipeline.

    isso é só um dos insight de um livro cheio de insights sobre o que significa trabalhar com gamedev. leitura recomendadíssima caso você esteja remotamente interessado ou envolvido na indústria de jogos

  25. 1499: O Brasil antes de Cabral (Reinaldo José Lopes, 2017)
  26. a leitura é boa e aprendi várias coisas interessantes sobre os povos originários (você sabia que eles são geneticamente próximos dos povos siberianos?? e que alguns deles tinham templos feitos de conchas???). mas a coisa que vai ficar mais na minha cabeça é, provavelmente, que o reinaldo josé lopes escreve de um jeito super agradável que eu não costumo ler com frequência. fiquei com vontade de ler mais coisa dele

    Estou me sentindo um ancião contemporâneo de Matusalém ao escrever isto, mas vamos lá: o fato é que vivemos numa época ridiculamente cínica, e uma das características desse cinismo hodierno é a mania de zombar da ideia de que a história é a mestra da vida — ou, como se dizia antigamente, a ideia de que quem não conhece a própria história está fadado a repeti-la. É claro que essa visão tem seus problemas (o mais óbvio é a tendência a transformar todos os personagens do passado em exemplos a serem seguidos ou vilões a serem odiados), mas a saga do Brasil pré-histórico, especialmente na versão repaginada que estamos descobrindo nos últimos tempos, tem implicações inegavelmente importantes para o que estamos fazendo com este colosso continental que nos coube, a nossa parte do latifúndio planetário.
  27. Project Hail Mary (Andy Weir, 2021)
  28. assim como "Perdido em Marte", "Devoradores de Estrelas" é uma leitura extremamente fácil sobre um homem branco de 40 anos que resolve problemas complexos de engenharia/ciência completamente sozinho, apresentando o processo de solução desses problemas ao leitor através de monólogos sacanas, perfeitos para demonstrar a vasta inteligência deste homem branco inteligente e bonito e inteligente que com certeza não se chama Andy Weir.

    e assim como "Perdido em Marte", "Devoradores de Estrelas" é um livro muito divertido que, quanto mais tempo se passa desde a leitura, menos eu gosto. é uma leitura extremamente fácil no mesmo sentido de que um hambúrger do mcdonalds é uma refeição extremamente comível -- te satisfaz, mas não te nutre. os personagens são o mais estereotípicos possíveis, a linguagem é tão complexa quanto a de um "diário de um banana", e o diálogo segue à risca o ritmo comédico de um filme dos anos 2020. resulta que "Devoradores de Estrelas" é um livro que consegue ser ao mesmo tempo altamente inteligente e profundamente estúpido.

    eu gostei muito da ideia do astrophage, e das interações com o not!Wall-e. deus sabe que [redacted] são meu ponto fraco. mas é um livro que foi obviamente escrito pra ser, eventualmente, levado pra telona e protagonizado pelo Ryan Gosling. e não tem nada de errado nisso! mas assim como um hambúrger do mcdonalds, não é algo que eu consigo olhar pra trás e me sentir bem por ter consumido.

  29. Children of Time (Adrian Tchaikovsky, 2015)
  30. um livro esplêndido. não contente em escrever uma história de sci-fi extremamente inventiva que me faz pensar "por que que eu nunca ouvi falar disso antes?!", Andrew Tchaikovsky decidiu escrever duas, e conectá-las uma com a outra. a última vez que eu senti isso foi quando eu assisti a Rebeca Andrade nas olimpíadas: "dá pra fazer isso?!?!"

    minha reclamação? o nome do livro é uma merda. pelo amor de deus é a definição de underpromise e overdeliver

  31. Elder Race (Adrian Tchaikovsky, 2021)
  32. outro gol de placa de novo, um livro incrível do Adrian Tchaikovsky com um nome terrível. esse cara rapidamente se tornou um dos meus autores favoritos. é lindo quando acontece

    "They think I’m a wizard. They think I’m a fucking wizard. That’s what I am to them, some weird goblin man from another time with magic powers. And I literally do not have the language to tell them otherwise. I say, “scientist,” “scholar,” but when I speak to them, in their language, these are both cognates for “wizard.” I imagine myself standing there speaking to Lyn and saying, “I’m not a wizard; I’m a wizard, or at best a wizard.” It’s not funny."

  33. The City and The City (China Miéville, 2009)
  34. peguei pra ler quando percebi que era meados de novembro e ainda não tinha lido nenhum livro do China Miéville esse ano. mano, que porra é essa? cada livro é um gênero completamente diferente!! Perdido Street Station é weird fiction, Embassytown é scifi, esse aqui é... uma detective novel?!? não tenho muito o que dizer, achei muito bom. é um page turner como todos os outros livros dele que eu li, apesar de eu ter achado esse um pouco menos... cativante?

  35. Your Money or Your Life (Vicki Robin, 1992)
  36. um dos meus planos pra 2025 é prestar mais atenção pra onde vai o meu dinheiro, e esse livro me ajudou a tomar os primeiros passos: anotar as despesas, ver o quanto gasto pra trabalhar, planejar a longo prazo... o texto em si é bem genérico e as ideias são bem óbvias e básicas, mas no momento em que me encontro era justamente algo óbvio e básico que eu precisava, e se em dezembro de 2024 fui capaz de enfrentar meus bloqueios mentais pra decifrar siglas como CDI, CDB, SELIC e IPCA, esse livro merece parte do crédito. (entendeu? crédito!)

  37. The Traitor Baru Cormorant (Seth Dickinson, 2015)
  38. se o sistema é corrupto e injusto, a única opção é destruí-lo, ou vale a pena tentar reformá-lo? esse é o dilema que "The Traitor Baru Cormorant" apresenta. e infelizmente ele só apresenta mesmo, porque no fim das contas nada é respondido -- não que eu quisesse uma resposta, óbvio que essas coisas não tem resposta, mas é inegável que a sensação que deu ao terminar foi que eu tinha lido um grande prólogo, a backstory importante mas fundamentalmente opcional de algo incrível que ainda vai acontecer. eu sabia que o livro fazia parte de uma trilogia quando comecei a leitura, mas esperei (talvez equivocadamente) que fosse mais parecido com a trilogia do "Children of Time", no qual o primeiro livro é uma refeição completa em si própria, e não uma entrada que te faz continuar com fome. ledo engano

    e não me entenda mal, eu gostei do livro! tem muito a ser gostado: o worldbuilding é bem legal (tecnocracia! eugenia! alquimia sendo usada pra construir robôs humanos!). os esquemas death note galaxy brain são divertidos ("como ela vai sair dessa agora!?!"). o fato da protagonista ser uma contadora é fascinante (insira parênteses aqui). mas isso tudo pra mim foi ofuscado pela frustração de descobrir no fim que o livro é uma introdução glorificada, e pior, que todas as previsões óbvias feitas na metade do livro são exatamente o que acontece no final. o pacing também capota no último terço e isso não ajuda

    não sei se vou ler os outros dois



Comentários






<voltar>